Em Portugal, cada habitante desperdiça, em média, 184 quilos de alimentos, por ano, o que significa que perto de dois milhões de toneladas de alimentos adequados ao consumo humano vão para o lixo em Portugal todos os anos.
Os números foram avançados, em Mirandela, no passado dia 6 de junho, numa Sessão Pública de Sensibilização para o Desperdício Alimentar, promovida pela Empresa Intermunicipal Resíduos do Nordeste, responsável pela gestão e tratamento dos resíduos sólidos urbanos no distrito de Bragança e ainda no concelho de Vila Nova de Foz-Coa.
A maior proporção do desperdício alimentar, cerca de 67%, está no consumidor, com o restante a ser repartido pelo retalho, restauração e indústria. “Em Portugal, por ano, deitamos para o lixo 1.9 milhões de toneladas de alimentos que podiam ter sido consumidos. Portanto, estamos a falar de alimentos que realmente podiam ter sido consumidos, mas por várias razões acabam no lixo. Realmente não é nada positivo, tendo em conta os enormes impactos ambientais que a própria produção de alimentos implica, o consumo de água, o uso do solo, recursos financeiros, humanos, que foram usados para produzir estes alimentos, que foram produzidos com o objetivo de serem consumidos, mas que acabam no lixo”, refere Iva Pires, professora associada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Para esta investigadora que trabalha o tema do desperdício alimentar já há bastante tempo, esta é uma situação paradoxa, porque “queixamo-nos que os alimentos estão cada vez mais caros, vamos ao supermercado, vamos ao mercado e a fruta está cada vez mais cara, mas, ao mesmo tempo, estamos a deitar toneladas de alimentos para o lixo”, diz.
Por isso, Iva Pires, entende ser muito importante “consciencializar o consumidor” para que ele possa começar a refletir sobre o ato de deitar um alimento para o lixo. “Neste momento, é um ato quase irrefletido, porque há muitos problemas associados e se pouparmos os alimentos, se reduzimos o desperdício alimentar, também estamos a poupar o nosso orçamento”, refere.
A investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas deixa ficar algumas dicas fundamentais para reduzir drasticamente o desperdício alimentar: “Se, por exemplo, perceber sistematicamente que 3 iogurtes acabam no lixo, então se calhar mais vale comprar menos iogurtes. Se perceber que sistematicamente metade das laranjas ou uma parte das laranjas acabam no lixo, então em vez de 3 eu compro 1. Podemos fazer pequeninas coisas para reduzir o desperdício, e em Portugal somos 4 milhões de famílias, se todos nós fizéssemos um bocadinho por dia, Portugal poderia estar melhor”, acredita.
Iva Pires fala ainda do desperdício na restauração. “Todos os alimentos que vão para a sala, que não são consumidos, têm que ir para o lixo, por questões de higiene. Mas cada um de nós pode pedir uma caixinha e levar o resto da refeição para casa. É uma atitude de bom senso, muito positiva e as pessoas não devem pensar que há algum estigma associado, é uma norma social positiva, dar aquela metade do bife que ficou no prato e a quantidade de arroz e batatas, é uma refeição que pode servir no dia seguinte”, explica.
Também os restaurantes podem ter um papel determinante, dado que, “em vez de deitar o que sobrou da cozinha para o lixo, podem encontrar instituições à sua volta, instituições de solidariedade social, que precisam desses alimentos e no final do dia doar esses alimentos”, afirma.
Em 2016, foi constituída a Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar, que integra vários organismos públicos, que elaborou o diagnóstico inicial para a constituição e a análise da Estratégia Nacional, que foi lançada em 2018, com 14 medidas.
No entanto, “decorre agora a fase de revisão dessa estratégia”, adianta Suzana Gaspar, do Gabinete de Planeamento e Políticas, sob tutela do Ministério da Agricultura. “Foi extremamente importante a adoção, por parte da Comissão Europeia, de uma definição de desperdício e de uma metodologia comum, mas, claro que, sendo uma metodologia, há necessidade de continuarmos a melhorá-la e também agir sobre esses dados e as medidas terem o impacto desejado, face àquilo que também se perspetiva que seja a constituição de metas juridicamente vinculativas”, sustenta.
E o Diretor Geral da Resíduos do Nordeste (RN) diz ser um tema “pertinente”, alertando para a necessidade imperiosa de existir uma estratégia nacional que dê prioridade à prevenção. “Essa é de facto uma política que tem falhado em Portugal e na Europa, os números dizem-nos que as pessoas produzem cada vez mais resíduos e grande parte é desperdício alimentar.
Normalmente no nosso setor fala-se mais quando já temos que agir, quando já temos que recolher qualquer coisa e nesse aspeto há uma obrigatoriedade dos municípios para a recolha dos chamados biorresíduos, só que devemos atuar a montante, ou seja, devemos procurar sensibilizar as pessoas para este combate ao desperdício, seja alimentar, seja qualquer outra forma de desperdício”, diz Paulo Praça.
Normalmente no nosso setor fala-se mais quando já temos que agir, quando já temos que recolher qualquer coisa e nesse aspeto há uma obrigatoriedade dos municípios para a recolha dos chamados biorresíduos, só que devemos atuar a montante, ou seja, devemos procurar sensibilizar as pessoas para este combate ao desperdício, seja alimentar, seja qualquer outra forma de desperdício”, diz Paulo Praça.
Recentemente, ficou conhecido que os quilos de comida desperdiçada representam cerca de 350 euros por ano. “É dinheiro, são recursos que nós estamos a desperdiçar e temos que ter um bocadinho mais de atenção, porque senão atrás deste problema vamos a crescer outros problemas, que é montar uma rede logística, que do ponto de vista técnico é complexa, do ponto de vista financeiro também é pesada e vamos ter que andar a gastar dinheiro em cima de dinheiro para fazer aquilo que não fizemos à cabeça”, acrescenta o Diretor Geral da RN.
